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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

José Pacheco, educador português, faz palestra na UnG

Fundador da Escola da Ponte falará aos estudantes sobre os desafios da educação no século XXI
Portal UnG (26/10/2009) – Educador Português de grande renome no mundo, em especial nos países de língua portuguesa, o professor José Pacheco ministrará palestra na Universidade Guarulhos (UnG), no dia 17 de novembro.

Ele promoverá discussão em torno dos desafios da educação para o século XXI e da atuação docente. Especialista em Leitura e Escrita e mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Pacheco ganhou destaque após fundar, em 1976, a Escola da Ponte, instituição que se notabilizou pelo projeto educativo inovador, baseado na autonomia dos estudantes.

A apresentação acontecerá a partir das 19h30, no Anfiteatro F da Unidade Guarulhos-Centro da UnG. A realização do evento faz parte das comemorações dos 40 anos da Universidade, que tiveram inicío em agosto deste ano e se estenderão até o mesmo mês de 2010.

Em julho, o professor José Pacheco, seguidor das ideias do educador brasileiro Paulo Freire, concedeu entrevista exclusiva à revista Matéria-Prima, publicada anualmente pela Universidade Guarulhos. Leia abaixo trechos deste bate-papo.

Matéria-Prima – Como o senhor define o processo de ensino-aprendizagem?
Pacheco – Parafraseando Paulo Freire, aprendemos uns com os outros mediados pelo mundo. Todo o ato de ensinar e de aprender é ato de relação. E de relação de um para um. Nesta asserção reside o essencial – dificilmente pode acontecer ensino e aprendizagem quando se pretende ensinar a todos como se de um só se tratasse. Eis o maior equívoco do modelo dito tradicional. Idealiza um aluno “médio” e para esse inexistente personagem do drama educativo concebe projetos, planejamentos e inutilidades afins. Nisto reside o equívoco maior do ensino dito tradicional: no pressuposto de ser possível adivinhar as intenções dos sujeitos de aprendizagem e de conhecer previamente a posse de requisitos para essa aprendizagem. Se todo o ser humano é único e “irrepetível”, na posse de um repertório próprio e de um determinado estilo de inteligência, dotado de uma cultura específica, de ritmo de aprendizagem diferente de outros seres, como conceber que haja ensino e aprendizagem quando se impõe a todos os sujeitos padrões únicos de tempo e um único ritmo?

Acontece ensino e aprendizagem quando se está consciente da diversidade e da imprevisibilidade do ato humano. É na gestão da imprevisibilidade que se obsta ao improviso voluntarista ou às crenças cegas do conservadorismo.


Existe falta de estímulo evidente entre os docentes brasileiros. Ausência de reconhecimento profissional, de ferramentas para o ensino e de remuneração justa estão entre as causas. Esses fatores também influenciam no afastamento de possíveis candidatos a educadores dos cursos de licenciatura no Brasil. É possível mudar esse quadro?
Essa realidade não é só brasileira. A Europa padece de mal idêntico. Quando lecionei no ensino superior e fiz formação inicial de professores, percebi serem raros aqueles alunos que haviam escolhido o curso de Pedagogia como primeira prioridade. Muitos daqueles futuros professores iriam sê-lo porque não haviam logrado o acesso a um curso de Medicina, de Psicologia, de Arquitetura.


Quais os desafios para quem optar pela carreira de docente?
São tantos que se torna difícil listá-los. Por exemplo, o desafio de reconhecer que o principal obstáculo à mudança da escola é o próprio docente, quando imbuído de uma cultura de autossuficiência. Prevalece, também, o desafio de não compactuar com discursos feitos de lamentos e carentes de soluções. Se o professor não tem alto salário, deverá fazer aquilo que legitimará um salário digno; se reconhece não ter formação suficiente, que a busque, a exija; se considera que a gestão hierárquica e burocrática o impede de assumir autonomia, que reaja, se organize em equipe e mude a gestão que reprova.


O senhor é referência, sobretudo, pelo trabalho que desenvolve na Escola da Ponte. É possível que diante de desafios como sair da burocrática estrutura organizacional das escolas brasileiras e partir para projetos como o da Escola da Ponte, os docentes se sintam mais estimulados?
Confio na inteligência dos professores e no seu desejo de aperfeiçoamento. Acredito que, reconhecendo as vantagens da reelaboração da sua cultura pessoal e profissional, eles se organizem para questionar estruturas burocráticas e desenvolver efetivos projetos de mudança. Venho acompanhando escolas onde bastou “uma presença simbólica” para que os professores se envolvessem em processos de transformação das suas realidades. A Escola da Ponte apenas as inspira. O Brasil não é pobre em recursos humanos e há professores que, apesar do salário baixo e de precárias condições do exercício da profissão, ousam enfrentar a pesada carga burocrática que tolhe tentativas de mudança.


Como é o funcionamento da Escola da Ponte?
Não existe um “funcionamento” padrão. O nosso projeto gerou uma estrutura, um tipo de organização do trabalho escolar que contempla a diversidade. O complexo de dispositivos pedagógicos, instalados ao longo de mais de 30 anos, permite que cada aluno defina o seu percurso de aprendizagem, estabeleça os seus projetos e planejamentos, conduza as suas pesquisas, construa currículo subjetivo, sempre acompanhado pelos professores. Daí que seja impossível dizer como funciona a escola. Cada dia é diferente do anterior e do seguinte... diferente para cada sujeito de aprendizagem.


O senhor costuma enfatizar a necessidade de o Brasil ter amor próprio, valorizar as ideias de seus educadores, como Paulo Freire, e não buscar referências estrangeiras. O que isso mudaria no ensino brasileiro?
Não se trata de prescindir de contributos indispensáveis de autores estrangeiros, mas de conhecer autores nacionais. Na Pedagogia da Esperança, Freire recomenda que se “norteie” menos a reflexão pedagógica e se “suleie” mais as práticas. Não deixa de ser curioso que o corretor automático (brasileiro!) aceite o “norteie” e recuse o “suleie”... Se os educadores brasileiros conhecem Lauro de Oliveira Lima, Agostinho da Silva ou Eurípedes Barsanulfo, talvez a realidade da educação brasileira fosse outra...


Em sua concepção, o que é um bom professor?
À boa maneira freiriana, será aquele que compreende que não está completo. E que descobre que, na sua autossuficiência, ele é o maior obstáculo à mudança. Um bom professor será o que recusa continuar sozinho na sua sala de aula, que recusa exercer uma profissão feita de atos solitários. É aquele que se reconhece em atos solidários.


As novas tecnologias podem reduzir a demanda por professores ou ao contrário: surge, com ela, um novo modelo de docente?
As novas tecnologias, permitindo um fácil acesso à informação, poderão viabilizar um autodidatismo que dispense professores papagaios (docentes). Porém, naqueles lugares onde os professores ajam como mediadores de aprendizagem, as novas tecnologias disponibilizarão ferramentas úteis para afirmação da profissão. Em pleno século XXI, as escolas não poderão permanecer ancoradas num modelo de trabalho retributivo de necessidades sociais do século XIX, gerador de exclusão e insucesso. Os docentes que reproduzem práticas de ensino obsoletas têm os dias contados. Mas, com a introdução das novas tecnologias, os educadores que souberem colocá-las ao serviço da aprendizagem não serão considerados descartáveis. Serão reconhecidos como necessários e indispensáveis, verão o seu estatuto social valorizado. Sei que assim é, porque já participo em projetos onde isso acontece, onde a máquina é colocada ao serviço da humanização das escolas.


Como avalia a formação de professores no Brasil?
No Brasil como em Portugal, apesar de as instituições de formação de professores serem servidas por excelentes profissionais, a formação é nitidamente desajustada dos objetivos de transformação e melhoria das práticas. Deixo-te com palavras de Cecília Meireles, publicadas há quase um século e que se mantêm atuais: “Que lhes valeu todo o curso que fizeram durante longos anos? Em vão leram livros copiosos, beberam a caudalosa erudição dos catedráticos, fizeram provas... Palavras, palavras, palavras que o vento levou... As aulas de psicologia ficaram geladas nos livros; as de pedagogia fecharam-se nas caixas de jogos; as outras não levaram em si nenhum gérmen dessas duas, que são, no entanto as indispensáveis a quem vai ser professor... Depois de tanto trabalho, terão de fazer por si mesmas, e com enorme esforço, aguilhoadas pela pressa de quem já está no quadro do magistério, toda a cultura técnica que ninguém pensou ou lhes pode fornecer no momento devido”.
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